Notas Tecnológicas

Neste site pretendo reflectir sobre as Novas Tecnologias da Comunicação, os Novos Meios Digitais Interactivos e é claro, sobre a Comunicação Social e os Media em geral.

outubro 20, 2006

Entrevista com Manuel Pinto

Manuel Pinto recebeu-me na Universidade do Minho, no campus de Gualtar, num edifício novíssimo e com óptimo aspecto, branco, linhas verticais, enfim, uma arquitectura moderna e simples. Grisalho e de estatura média, este professor de 52 anos foi o anterior provedor de leitor do JN (Jornal de Notícias), cargo que desempenhou juntamente com o seu de professor universitário. Na sua base académica Manuel Pinto está ligado à história, mas numa segunda fase da sua vida optou por fazer o doutoramento em ciências da comunicação pela Universidade do Minho o que lhe valeu o actual cargo de professor do Departamento de Ciências da Comunicação da mesma Universidade.

Joana Poças (JP): Será que podemos dizer que é cada vez mais importante educar os jovens para os media? Como explicaria esta afirmação?

Manuel Pinto (MP): Eu não falaria em educação para os media, mas antes em literacia digital, uma vez que literacia digital é, a meu ver, um conceito mais amplo que o de educação para os media.

Cada vez mais assistimos a uma migração cultural para o digital. Assim, a par da compreensão das linguagens básicas da cidadania como a leitura e a escrita tradicionais, supõe-se que se compreenda a linguagem digital. Um dos terrenos da linguagem digital integra a leitura do hiperlink que se tem afirmado neste ecossistema multifuncional que é a Internet. Esta leitura do hiperlink é um novo modelo de linguagem importante e, infelizmente, ainda não se aprende a trabalhar com este tipo de linguagem.

JP: Existe alguma razão específica para que Portugal ainda não tenha implementado oficialmente uma disciplina de educação para os media no ensino público oficial?

MP: Primeiro que tudo, essa ideia de criar uma disciplina de educação para os media não é de todo assim tão pacífica. Existiu e existe um debate acesso sobre se se deve criar uma disciplina, ou se se deve apostar numa dimensão transversal que englobe todo o currículo, sem ser forçoso que se crie uma disciplina isolada.

Veja, existe uma enorme pressão para se criarem outras disciplinas igualmente importantes, como a educação ambiental, a educação sexual, entre tantas outras. Quem decide sobre estas matérias não pode ter como única resposta a multiplicação de disciplinas, porque isso seria insustentável.

O que podemos fazer é, no seio de disciplinas já existentes, partir do mundo e das experiências dos jovens para ensinar, neste caso, literacia digital ou educação para os media. Porém, também isso, se torna por vezes difícil de fazer. Dou-lhe o exemplo de uma história que tomei conhecimento de uns alunos que estavam à porta da sala de aula, à espera de terem uma aula de educação musical, e conversavam sobre o último CD da Madonna. Mal entraram na sala de aula a professora disse que essa conversa tinha de acabar, porque ali era para se aprender música. Isto é um erro! Os professores devem estar abertos para pegando nas histórias dos alunos poderem dar a sua matéria.

JP: Mas não pensa que ter a educação para os media como disciplina obrigatória traria benefícios aos alunos?

MP: Sem dúvida. A vantagem da criação de uma disciplina independente seria a obrigatoriedade de ensinar essa matéria. Mas, como referi, não é nada fácil porque isso implicaria a formação de professores, implicaria mais horas de aulas e implicaria também fundos monetários para a aquisição de material, sem falar de outras tantas dificuldades.

JP: Num artigo seu publicado na revista Iberoamericana de educaçãomedia em países como Portugal». Quais são as causas deste fenómeno e o que queria dizer com «países como Portugal»? afirma ser «difícil conquistar espaços para a educação para os

MP: Não me recordo em que contexto terei dito isso, mas um dos países que está como Portugal é a Espanha, porque em ambos existe uma tradição que exclui a aprendizagem para a cidadania. No caso de Portugal, existiu um regime autoritário durante 48 anos, o que inibiu a iniciativa cidadã e calou ou amordaçou os próprios media, que estavam limitados na sua acção. Existiu, desta forma, durante muito tempo, uma falta de consciência dos direitos dos cidadãos face aos meios de comunicação social, o que acabou por criar uma tradição de apatia e de não iniciativa.

Para além disso sinto que as pessoas em Portugal não têm consciência do eco que têm nos media. Na minha experiência como provedor de leitor no JN posso dizer-lhe que são poucos aqueles que utilizam este meio para criticar o órgão em si, ou para se fazer ouvir. Normalmente são sempre as mesmas pessoas que o fazem, acabamos por conhecê-los.

JP: Sei que foi membro do Conselho Científico do Instituto da Inovação Educacional do Ministério da Educação.

MP: Sim, fui, mas esse órgão já não existe.

JP: Mas existe um site, criado pelo Ministério da Educação (http://www.dgidc.min_edu.pt/inovbasic/proj/media/2000/index.html) onde são disponibilizados exercícios e aulas na área da educação para os media a serem consultadas por professores e alunos. Esteve envolvido neste projecto? O projecto ainda está activo?

MP: Sim, de facto, esse site existe, mas já não é actualizado, porque estava relacionado com o então Conselho Científico do Instituto da Inovação Educacional do Ministério da Educação, que entretanto deixou de existir com a mudança de governo.

O que continua a avançar é o Projecto Público na Escola, que tem tido imenso êxito junto de alunos e professores. Existem algumas acções e projectos, mas também existe a necessidade de se criar algo de oficial.

JP: Gostava de saber se esse projecto teve muito impacto, se, de facto, muitos professores aderiram e utilizavam os exercícios disponibilizados no seio das suas aulas.

MP: Não tenho dados, por isso não lhe sei dizer nada sobre isso.

JP: Em 1993 foi apurado que existiriam no país, cerca de 400 clubes escolares ligados à comunicação, ao jornalismo e aos media. Como se sabe que perto de 50% das escolas do país publicam algum tipo de jornal. Será que a produção de jornais por parte dos alunos será suficiente para uma formação sólida na área dos media? Produzir um jornal e perceber o alcance das mensagens veiculadas pelos grandes órgãos é ou não diferente?

MP: Fazer um jornal só como «activismo pedagógico» não serve para educar para os media, mas eu costumo dizer que a educação para os media tem 3 graus. O grau zero, em que se recorre ao uso dos media como recurso pedagógico. O grau um, em que os media são tema de estudo. Por último, o grau três que, de facto, se utilizam os media como meio de produção.

Quando um grupo de alunos produz um jornal, se o projecto estiver bem organizado, acabam por ter de pensar qual o público que querem atingir, quais as formas de atrair esse público, qual o impacto dessa mensagem junto desse mesmo público. Como se escreve para Imprensa, entre tantas outras questões que podem e devem e normalmente são levantadas por estes grupos de estudantes que se dedicam à construção de um jornal. Como vê, os estudantes fazerem parte de um jornal escolar acabam por trabalhar essa consciência crítica face aos media, que se pretende com a educação para os media.

O problema que vejo neste jornais escolares é a falta de sentido de actualidade, uma vez que a pressão dos acontecimentos não é uma constante na vida escolar.

JP: Parece que actualmente basta uma escola ter bons computadores e acesso à Internet para se pensar que a lacuna da educação para os media ficou colmatada. O que pensa a este respeito?

MP: É a isso que dou o nome de «Deriva Tecnológica». Para muitos professores e para o Ministério da Educação a educação para os media ficou reduzida ao uso do computador. O que acontece actualmente é que se confunde a educação para os media com o uso das tecnologias na educação. Isto é matar a educação para os media! (afirma sério) O uso da Internet e das novas tecnologias reduz-se a uma navegação para parte nenhuma, navegar sem rumo e sem destino. Não está certo.

Como é que eu navego na Internet? Consigo responder às perguntas às quais pretendo obter resposta? Para que serve saber utilizar a Internet? Para ir para onde? Estas são algumas das perguntas que os estudantes deveriam ver respondidas na escola quando lhes é disponibilizado um computador com acesso à Internet.

Existem 3 perguntas chave de qualquer processo educativo que são: Quem és? De onde vens? Para onde vais? E são também as respostas as estas perguntas que podem levar os estudantes a compreender melhor a Internet.

Infelizmente estas novas tecnologias são tomadas como fins, mas temos de ter consciências de que são apenas um meio, para depois, sim, podermos atingir um fim. Penso que é importante esclarecer este ponto.

Numa verdadeira educação para os media, ou numa verdadeira literacia digital, devem-se responder a perguntas como: quais são os sites válidos? Como é que avalio a informação de um site? Quais são os critérios de selecção? Qual é a informação credível? Muitos professores dizem simplesmente: - «Vão ao Google.» o que leva os alunos a pensar que tudo o que vêem no Google é credível, o que é uma mentira e uma asneira por parte do professor.

JP: Passando agora a uma pergunta mais técnica. Em que ano escolar lhe parece adequado que se implemente, pela primeira vez, uma disciplina de educação para os media, e porquê?

MP: O mais cedo possível, no pré-escolar.

JP: Mas se tivesse que a aprovar um currículo obrigatório de aulas e exercícios para jovens, e não para crianças, que tivesse como objectivo criar bases para todos os jovens em Portugal?

MP: Nesse caso escolheria o 9.º ano, uma vez que é o último ano obrigatório no nosso sistema de ensino. Se o objectivo seria atingir todos de forma comum, o 9.º ano parece-me o mais adequado. Como sabe a partir do 10.º ano os alunos dividem-se por áreas o que tornaria mais difícil a inclusão dessa disciplina, para além do que a escola do 10.º ao 12.º já não é obrigatória, o que implicava que muitos dos nossos jovens seriam deixados de fora.

JP: Para terminar, gostaria de lhe perguntar se sabe o que aconteceu à Associação Educação e Media, uma vez que esta tinha projectos muitos interessantes que queria desenvolver nesta área?

MP: Sei sim, até porque faço parte dessa associação. Neste momento esse projecto está parado. O clima cultural e político piorou e existe pouco terreno para avançar.

JP: Por último, como vê o futuro da educação para os media em Portugal?

MP: Existe neste momento uma onda muito voltada para as tecnologias e para os conteúdos cognitivos da língua materna o que deixa pouco espaço para outras áreas. Posso mesmo dizer que existe um desprezo por outras áreas. Mas ao mesmo tempo cresce a consciência da importância desta dimensão dos media. Não vou negar que existem projectos, mas estes não têm grande dimensão.